Escrito por João CB Gonçalves
Professor de língua sânscrita e tradutor, com formação em Letras, mestrado e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo. Professor de Haṭha-yoga e práticas meditativas do śivaísmo.
Eis aqui as instruções dadas em textos antigos de Haṭhayoga, sobre essa prática, que, em geral, é dada de forma simplificada nas aulas de yoga do dia-a-dia. Como poderão ver, ela vai muito além de uma prática respiratória que alterna as narinas.
As traduções e as observações constam da apostila do curso que darei no próximo sábado, no Naradeva Shala, sobre essa prática.
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Na Haṭhayogapradīpikā
baddhapadmāsano yogī prāṇaṃ candreṇa pūrayet
dhārayitvā yathāśakti bhūyaḥ sūryeṇa recayet
2.7
prāṇaṃ sūryeṇa cākṛṣya pūrayed udaraṃ śanaiḥ
vidhivat kumbhakaṃ kṛtvā punaś candreṇa recayet
2.8
yena tyajet tena pītvā dhārayed atirodhataḥ
recayec ca tato’nyena śanair eva na vegataḥ
2.9
prāṇaṃ ced iḍayā piben niyamitaṃ bhūyo’nyayā recayet
pītvā piṅgalayā samīraṇam atho baddhā tyajed vāmayā
sūryacandramasor anena vidhinābhyāsaṃ sadā tanvatāṃ
śuddhā nāḍigaṇā bhavanti yamināṃ māsatrayād ūrdhvataḥ
2.10
prātarmadhyandine sāyamardharātre ca kumbhakān
śanair aśītiparyantaṃ caturvāraṃ samabhyaset
2.11
Posicionado no padmāsana, o yogue deve inalar o ar com a Lua, e, mantendo o quanto puder, deve exalar com o Sol. (7) Trazendo o alento com o Sol, deve encher aos poucos o peito. Fazendo uma retenção de modo adequado, novamente deve exalar com a Lua.(8) Tomando pela que largou, deve manter com muita firmeza e então deve exalar pela outra vagarosamente e sem pressa. (9) Quando o prāṇa é absorvido pela iḍā (via esquerda), é mantido e depois exalado pelo outra via. Sendo o alento absorvido pela piṅgalā (direita), é então retido e eliminado pelo canal esquerdo. Deve-se manter a prática de acordo com esse método do Sol e da Lua de modo que o conjunto das nāḍīs do praticante há de se tornar puro após três meses. (10) Gradualmente, deve-se praticar os kumbhakas aos limites de 4 a 8 tempos, pela manhã, ao meio-dia, pelo anoitecer e à meia-noite. (11)
Observações:
O que se destaca, nesta orientação, são as expressões “deve-se inalar com a Lua”, candreṇa pūrayet, e “deve-se exalar com o Sol”, sūryeṇa recayet. Esse tratamento simbólico indica que o procedimento envolve uma percepção que ultrapassa o processo mecânico de “alternância das narinas”. Trata-se, assim, de uma instrução que sugere que o adepto deve estar plenamente ativo enquanto faz as inspirações e as expirações, no sentido de manter-se atento aos seus elementos lunares e solares de seu corpo enquanto realiza a prática.
Por essa razão, nāḍī-śodhana é muito mais do que simplesmente deixar o ar entrar e sair por uma narina e por outra. É de importância fundamental que haja o estado de presença, de percepção corporal e das visualizações relacionadas à Lua e ao Sol.
Quanto à técnica em si, nota-se que a prática aqui proposta é relativamente simples, possuindo dois elementos básicos, alternância e a retenção com os pulmões cheios.
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Na Śivasaṃhitā
suśobhane maṭhe yogī padmāsanasamanvitaḥ
āsanopari saṃviśya pavanābhyāsam ācaret
3.22
samakāyaḥ prāñjaliś ca praṇamya ca guruṃ sudhīḥ
dakṣe vāme ca vighneśaṃ kṣetrapālāmbikāṃ punaḥ
3.23
tataḥ svadakṣāṅguṣṭhena nirudhya piṅgalāṃ sudhīḥ
iḍayā pūrayed vāyuṃ yathāśaktyā tu kumbhayet
3.24
tatas tyaktvā piṅgalayā śanair eva na vegataḥ
punaḥ piṅgalayāpūrya yathāśaktyā ca kumbhayet
3.25
idayā recayed dhimān na vegena śanaiḥ śanaiḥ
evaṃ yogavidhānena kuryād viṃśati kumbhakān
3.26
sarvadvandvavinirmuktaḥ pratyahaṃ vigatālasaḥ
prātaḥkāle ca madhyāhne ca sūryāste cārdharātrake
kuryad evaṃ caturvāraṃ kaleṣv eteṣu kumbhakān
3.27
itthaṃ māsatrayaṃ kuryād anālasyo dine dine
tato nāḍīviśuddhiḥ syād avilambena niścitam
3.28
Em um belo retiro, o yogue deve acomodar-se sobre um assento, sentado em padmāsana, e realizar a prática do alento (pavanābhyāsa). (22) Com o corpo equilibrado, o gesto de añjali (palmas das mãos unidas), o sábio deve reverenciar o guru, bem como Vighneśa (Gaṇeśa) no lado direito e Kṣetrapāla (Śiva) e Āmbikā (Pārvatī) no lado esquerdo. (23) E assim, com o dedo da mão direita, o sábio fecha a piṅgalā (narina direita) e inala o alento com a iḍā (esquerda), retendo-o o quanto for capaz. (24) Então, soltando por piṅgalā (direita) vagarosamente e sem pressa, inala pela piṅgalā (direita) e retém o quanto for capaz. (25) O sábio deve exalar pela iḍā (esquerda), sem pressa, lenta, lentamente. E, assim, segundo a instrução do yoga, deve realizar 20 retenções. (26) Sem fadiga e transcendendo as dualidades, deve-se praticar esses kumbhakas (prāṇāyāma) quatro vezes ao dia: pela manhã, pelo meio-dia, ao pôr-do-Sol e à meia-noite. (27) É certo que aquele que pratica com vigor durante três meses, diariamente, obterá sem demora a purificação das nāḍīs (nāḍīśuddhi). (28)
Observações: Nessa instrução, ocorre uma ritualização da prática, sugerindo que o adepto faça reverência ao seu mentor, e aos deuses relacionados às laterais. Com essa sugestão, cria-se uma sensibilização do corpo enquanto microcosmo que irá identificar-se com o macrocosmo.
É de se notar que o comando utiliza os termos “pela iḍā” ou “pela piṅgalā”, quando pede que se inspire ou expire. Ou seja: trata-se de absorver o alento, isto é, de integrá-lo com uma ou outra nāḍī. Como fazer isso? Visualizando, sentindo e permitindo que a alternância promova experiências distintas de um lado e de outro. A idéia da purificação contém também o sentido de sutilizar a percepção que o adepto tem de suas laterais, levando-o a um estado que permite que ele reconheça que é formado por essa dualidade.
Quanto à técnica, a instrução sugere a alternância e a retenção com o ar. Nota-se uma diferença material em relação à instrução anterior: pede-se que o adepto utilize as mãos para o bloqueio das nāḍīs. Na anterior, esse gesto pode estar subentendido ou pode haver a idéia de que a prática pode acontecer apenas com o controle interno.
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Na Gheraṇḍasaṃhitā
upaviśyāsane yogī padmāsanaṃ samācaret
gurvādinyāsanaṃ kṛtvā yathaiva gurubhāṣitam
nāḍīśuddhiṃ prakurvīta prāṇāyāmaviśuddhaye
5.38
vāyubījaṃ tato dhyātvā dhūmravarṇaṃ satejasam
candreṇa pūrayed vāyuṃ bījaṣoḍaśakaiḥ sudhī
5.39
catuḥṣaṣṭyā mātrayā ca kumbhakenaiva dhārayet
dvātriṃśanmātrayā vāyuṃ sūryanāḍyā ca recayet
5.40
utthāpyāgniṃ nabhimūlād dhyayet tejo ‘vanīyutam
vahnibījaṣoḍaśena sūryanāḍyā ca pūrayet
5.41
catuḥṣaṣṭyā mātrayā ca kumbhakenaiva dhārayet
dvātriṃśanmātrayā vāyuṃ śaśināḍyā ca recayet
5.42
nāsāgre śaśadhṛgbimbaṃ dhyātvā jyotsnāsamanvitam
ṭhaṃbījaṣoḍaśenaiva iḍayā pūrayen marut
5.43
catuḥṣaṣṭhyā mātrayā ca vaṃbījenaiva dhārayet
amṛtaplāvitaṃ dhyātvā nāḍīdhauti vibhāvayet
dvātriṃśena lakāreṇa dṛḍhaṃ bhāvyaṃ virecayet
5.44
evaṃ vidhāṃ nāḍīśuddhiṃ kṛtvā nāḍīṃ viśodhayet
dṛḍho bhūtvāsanaṃ kṛtvā prāṇāyāmaṃ samācaret
5.45
O yogue deve assumir seu assento e posicionar-se em padmāsana. A seguir, realizar a instauração do guru, e outros ritos, feitos da forma ensinada por ele, para que possa fazer a “purificação dos condutos” (nāḍīśuddhi) com o objetivo de purificar-se para a prática do prāṇāyāma. (38) Meditando sobre o bīja do ar (yam), com coloração de fumaça reluzente, o sábio deve inalar o ar pela nāḍī da Lua durante 16 repetições desse bīja. (39) Deve sustentar a retenção (kumbhaka) por 64 repetições e exalar o ar pelo Sol durante 32 repetições. (40) Deve atiçar o fogo no umbigo, meditar nesta luz em conjunção com o elemento terra e inalar com a nāḍī do Sol durante 16 repetições. (41) Deve sustentar a retenção (kumbhaka) por 64 repetições e exalar o ar pela nāḍī da Lua por 32 repetições. (42) Meditando na orbe da Lua, envolvida por luz na ponta do nariz, deve inalar o alento durante 16 repetições do bīja “ṭhaṃ” pela nāḍī iḍā. (43) Deve-se sustentar por 64 repetições, com o bīja “vaṃ”. Visualizando um banho de néctar da imortalidade, deve meditar na limpeza das nāḍīs e, durante 32 repetições do som “laṃ”, deve exalar, intensificando a visualização. (44) Procedendo segundo essa instrução de “purificação das nāḍīs” (nāḍīśuddhi), deve-se assim purificá-las. Mantendo-se firme, realizando a postura, deve então realizar o prāṇāyāma. (45)
Observações: Como no anterior, ritualiza-se a prática.
Quanto à técnica, o destaque aqui é a precisão do ritmo: 1:4:2 na inspiração (1), retenção com ar (4) e expiração (2). O diferencial é a sugestão de bījas (mantras) na marcação do tempos e de elementos de visualização.
Visualização Inspiração Retenção Expiração
Fumaça 16 yaṃ 64 yaṃ 32 yaṃ
Fogo/terra 16 *raṃ 64 *raṃ 32 *raṃ
Lua 16 ṭhaṃ 64 vaṃ 32 laṃ
*raṃ, bīja do fogo, não é mencionado.
Um lugar virtual para expor minhas ideias... Ministro cursos específicos da escola Suddha Dharma Mandalam, que se localiza dentro do Instituto de Cultura Hindú "Naradeva Shala", abrangendo um enfoque holístico, associados aos estudos esotéricos do "Sanatana Dharma" e do Yoga Brahma Vidya. Meu e-mail é: devi.devidasika@gmail.com
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